quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entenda a Crise Econômica Mundial 2008 e 2009

Especial: Entenda a Crise Econômica Mundial 2008 e 2009    

Opinião: Marcus Kollbrunner - 16 de março de 2009 

Que crise é essa?
Essa é a mais profunda crise da economia mundial em 80 anos. Ainda não chegamos ao fundo do poço. Pode superar até a mais profunda crise do capitalismo mundial, a de 1929-33. As previsões mostram que a economia mundial vai se contrair, ao invés de se expandir, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
Os efeitos ainda não estão claros, mas já vimos milhões de trabalhadores perderam seus empregos no mundo inteiro. A OIT (Organização Inter­na­cional do Trabalho, órgão da ONU) prevê que haverá um aumento de 51 milhões no número de desempregados no mundo somente nesse ano. Mas como todas as previsões feitas sobre a crise, ela tende a subestimar a situação e se tornar obsoleta depois de algumas semanas. Só na China, 26 milhões de trabalhadores migrantes (que vieram da zona rural para procurar emprego nas cidades) perderam seus empregos nos últimos meses.

De quem é a culpa da crise?
A crise tem suas raízes no próprio sistema econômico em que vivemos, o capitalismo. Não é uma catástrofe natural, é o produto de um sistema econômico e social que não funciona.
A crise tem dois aspectos fundamentais que são interligados. Primeiro, temos uma crise financeira profunda, que é mais grave do que a dos anos 30. Segundo, há uma crise de “superprodução”, que Marx descreveu já no século XIX.
O capitalismo é um sistema em que uma ínfima minoria da população controla os meios de produção. O objetivo do sistema é gerar lucros para seus donos. Esses lucros vêm da exploração dos trabalhadores, que não recebem de acordo com o valor que produzem. O capitalista fica com a chamada ‘mais-valia’ (o valor que o trabalhador produz além do que recebe como salário), que é a fonte do seu lucro. É daí que ele tira o dinheiro para seu enriquecimento e para novos investimentos.
Para sobreviver no mercado, o capitalista é forçado a acumular lucros cada vez maiores. Se não faz isso, ele não consegue investir na produção mais moderna, e sucumbe na concorrência. Por isso, ele explora cada vez mais os trabalhadores, para garantir seus lucros.
A questão é que isso gera uma tendência de que produção aumenta mais rápido do que a os trabalhadores são capazes de consumir. Quando o sistema entra em crise, os capitalistas atacam mais ainda os direitos dos trabalhadores, e assim acabam reduzindo ainda mais seu mercado.
No Brasil foram 800 mil empregos formais que sumiram nos últimos 4 meses, e muitos mais trabalhadores, além disso, viram suas condições piorarem, com redução dos salários. Isso afeta diretamente o consumo e piora a crise.
Em praticamente todos os setores industriais do mundo existe um excesso de capacidade. Calcula-se, por exemplo, que na China o excesso de capacidade de produção de aço é maior do que a produção total de aço dos EUA! Ou seja, seria possível fechar todas as siderúrgicas dos EUA sem que isso levasse a uma escassez de aço.
O sentido da crise neste sistema perverso é exatamente o de livrar o sistema do excesso de capital existente sob a forma de máquinas, fábricas e também de trabalhadores que não geram mais lucro suficiente. O peso da crise cai assim sobre os trabalhadores.
Qual é o papel do sistema financeiro na crise?
O capitalismo tem um sistema de crédito avançado, sem o qual ele não funciona. Imagine, por exemplo, pagar uma grande fábrica de automóveis à vista. Mas o crédito ajuda também a sustentar o consumo, especialmente de imóveis, carros, móveis, etc. O crédito faz com que o consumo temporariamente possa ir além da capacidade de pagamento imediato. Marx dizia que o crédito funciona como um elástico, mas se esticar ele demais, ele acaba se rompendo.
Desde os anos 70, a produção de mercadorias gera menos lucros. Os capitalistas passaram então a atacar os direitos conquistados pelos trabalhadores aumentando assim a sua exploração (o que ficou conhecido como neoliberalismo). No entanto, a piora das condições dos trabalhadores limita o consumo. O lucro recuperado não podia ser investido em mais produção, então acabou investido em mera especulação financeira. Isso foi reforçado pela política neoliberal de desregulamentação do mercado financeiro e de privatizações, abrindo para bolhas especulativas nos mercados de ações, imobiliários, de commodities, etc.
Nesse período, quando o sistema se aproximava de uma crise, os governos responderam com mais crédito, estimulando os consumidores a consumir cada vez mais além da sua capacidade de pagar. A baixa inflação mundial, por causa dos investimentos em produção em países como China, onde os salários eram muito mais baixos, permitiu que os juros por um período fossem muito baixos no mundo.
Mas, o efeito disso não foi apenas o de empurrar a crise com a barriga, mas acabou criando as bases para uma crise muito mais profunda, já que uma montanha de dívidas impagáveis foi sendo acumulada, com ajuda de instrumentos de especulação e créditos cada vez mais “exóticos”, os chamados derivativos.

Os pacotes de resgate dos governos vão ajudar?
Vale à pena notar como os pacotes de resgate mostram qual é a prioridade do sistema. A ONU apontou que com apenas 30 ou 40 bilhões de dólares por ano seria possível garantir que nenhuma pessoa no mundo tivesse que morrer de fome ou doenças relacionadas à fome, um mal que ainda mata 9 milhões de pessoas por ano. Mas, os governos sempre alegaram que esses recursos não existiam. Agora, com a crise dos bancos, não passa uma semana sem que seja anunciado algum novo pacote dez vezes maior para salvar os especuladores que desencadearam essa crise.
Mesmo aqui no Brasil a prioridade tem sido a mesma. Ao mesmo tempo em que alegava em sua propaganda que a crise ia ter um efeito limitado no país, o governo Lula liberou cem bilhões de reais para garantir o mercado de crédito dos bancos.
Porém, até o novo presidente dos EUA, Barack Obama, confessou que os gigantes pacotes não vão resolver a crise, só amenizá-la.
Os governos têm sido forçados a estatizar parcialmente bancos, mas somente com o intuito de transferir as perdas para o Estado enquanto os lucros vão se manter privados.
Para resolver a crise financeira de verdade, seria necessário estatizar os bancos sob o controle dos trabalhadores, garantindo que nenhum mutuário perca sua casa por inadimplência, mas sem indenizar os grandes tubarões e especuladores.
O que está sendo feito na verdade é a transferência dos “créditos podres” do setor privado para o Estado, aumentando enormemente a dívida pública e cobrindo as perdas dos especuladores.
Se não forem obrigados a isso, os governos não vão salvar pequenas poupanças ou os empregos de trabalhadores. A intenção da política deles é salvar o sistema e restaurar sua capacidade de continuar explorando os trabalhadores.
Se não nos livramos desse sistema, vamos ter que pagar por essa crise por muito tempo. Só esse ano, o déficit do orçamento federal dos EUA está estimado em 1,75 trilhões de dólares, valor maior do que o PIB do Brasil!

Qual tem sido a resposta dos trabalhadores?
Em vários países temos visto grandes protestos. Na Islândia, um dos países mais ricos do mundo, o governo e os banqueiros transformaram o país inteiro em um banco especulativo e agora ele literalmente quebrou. Os grandes protestos levaram à queda do governo. Em Guadalupe (um “departamento ultramarinho” francês no Caribe), os trabalhadores estão em uma greve geral que já dura um mês contra as demissões e o aumento de preços.
Na França houve uma greve geral no dia 29 de janeiro com 2,5 milhões de trabalhadores participando em manifestações. Na Irlanda uma manifestação de 120 mil pessoas na capital, Dublin, deve abrir caminho para uma greve geral de servidores públicos.
Mas, essas respostas são ainda tímidas diante dos ataques. Isso acontece porque, num primeiro momento de surpresa e choque diante da crise repentina e brutal, a maioria ainda tenta achar uma saída individual. Outro fator é o enfraquecimento da esquerda depois da queda do muro de Berlim em 1989. A idéia de que o socialismo havia falhado serviu de justificativa para que a grande maioria das direções dos antigos partidos de trabalhadores e dos sindicatos girasse à direita (como o PT e a CUT no Brasil), acomodando-se ao neoliberalismo ao invés de combatê-lo. Isso deixou os trabalhadores enfraquecidos organizativa e politicamente, mas não vai impedir a luta por muito tempo. A continuidade dos ataques vai forçar os trabalhadores a lutarem pelos seus direitos e durante esse processo os trabalhadores vão ter que forjar novas ferramentas de lutas.

O Brasil está mais preparado para enfrentar a crise?
O governo Lula tem feito tudo para manter a ilusão de que o Brasil sairá ileso da crise. Um fator central da popularidade do governo tem sido o crescimento nos últimos anos e para ter alguma chance de eleger um sucessor a Lula, a crise não pode explodir antes de 2010.
Em 19 de outubro do ano passado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que os analistas que achavam que o PIB brasileiro só cresceria 3,5% em 2009 eram pessimistas demais e deveriam “tomar Prozac” para ver se melhoravam! A média das previsões publicadas no último boletim Focus do Banco Central aponta para um crescimento de só 1,5% nesse ano. Contando com o crescimento populacional, um crescimento tão baixo significa um aumento do desemprego e da miséria.
Não tem como o Brasil não ser profundamente afetado pela crise. A economia brasileira depende muito de exportação de commodities, que tiveram os preços rebaixados com a crise. O crescimento também ocorreu graças a um grande influxo de capital especulativo nos últimos anos, que só se mantém por causa dos altíssimos juros no país, mas esses juros são um dos principais freios na economia. Com o aumento do desemprego, o consumo tenderá a cair e agravar a situação econômica.

Não é melhor ceder alguns direitos para salvar os empregos?
Não! Primeiramente, essa proposta vem dos capitalistas que tentam jogar os custos de uma crise que nós não causamos em cima das nossas próprias costas. Até Lula tem dito que essas empresas tiveram enormes lucros e deveriam usá-los ao invés de demitir. Mas a fala é uma e a prática tem sido muito diferente.
Veja só a situação das montadoras. Somente no primeiro semestre do ano passado, elas repassaram mais de nove bilhões de reais para suas matrizes nos EUA, Europa e Japão. Isso depois de ter tido bilhões de subsídios do Estado em forma de incentivos fiscais, infra-estrutura etc.
Quando chega a crise, a reação do governo federal foi de abrir uma linha de crédito especial para as montadoras de quatro bilhões, através do Banco do Brasil. O governo do estado de São Paulo completou com outros quatro bilhões.
A questão é: se os trabalhadores não lutarem contra isso, vamos pagar 100% do custo da crise. A luta vale a pena mesmo se o resultado seja o de diminuir o prejuízo.
Retirar direitos não garante nenhum emprego. Só garante que nós e nossos filhos teremos uma situação ainda mais difícil no futuro. A ameaça de desemprego é algo que sempre vai ser usado. Mesmo no período de crescimento os patrões falavam do “custo Brasil” e usavam a ameaça de mudar a produção para um estado onde os salários eram mais baixos, ou para fora do país. Por isso, preparavam a reforma trabalhista, para retirar direitos como 13°, férias, licença maternidade. Agora vão usar a crise para tirar o máximo de direitos que conseguirem.

Mas qual é a alternativa?
É necessário romper com a lógica de que o direito supremo da sociedade é o direito à propriedade de uma pequena minoria, pois isso significa o direito desses poucos destruírem a vida de milhões de trabalhadores e causar um enorme dano à sociedade.
As fábricas e locais de trabalho que não servem mais para gerar lucrospara o capitalismo podem ainda servir muito para produzir coisas úteis para a sociedade.
Por isso, temos que lutar para que as fábricas e locais de trabalho que são fechados ou implementam demissões em massas sejam estatizadas, sob o controle dos trabalhadores, para começar a produzir de acordo com a necessidade social, e não visando o lucro.
A jornada de trabalho deve ser reduzida, mas sem a redução de salário. Assim, mais pessoas trabalharão e a sociedade inteira ganha.
O governo não deve dar só palpites, mas sim tomar medidas para proibir empresas que receberam recursos públicos e tiveram grandes lucros de demitir, caso contrário elas devem ser estatizadas sob o controle dos trabalhadores.
Além disso, é necessário estatizar os bancos e instituições financeiras, não só como uma medida para superar a crise, mas para evitar a crise e bolhas especulativas. Assim podemos garantir crédito para pequenos agricultores, pequenas empresas e juros baixos. Uma estatização sob o controle dos trabalhadores, pois hoje os bancos públicos têm juros tão altos quanto os privados.
Essas medidas seriam os primeiros passos para romper com esse sistema e preparar o caminho para uma sociedade socialista.
Para que isso seja possível, é necessário unir a luta do local de trabalho com a de todos os trabalhadores. Só assim podemos desafiar o enorme poder que os capitalistas têm, com apoio da mídia, do poder judiciário, da polícia e dos governos. Para isso, devemos ter uma ferramenta política, um partido que oriente essa luta dos trabalhadores no sentido de uma luta por uma nova sociedade. 

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